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A Opinião de Paula Mota


A Filha Única

2024-08-19

Nenhuma mãe sabe quanto tempo viverão os seus filhos. Há até uma expressão segundo a qual só os tem por empréstimo, e o tempo desse empréstimo pode durar de algumas horas a várias décadas.

Este livro é difícil. Mesmo escrito no tom neutro da mexicana Guadalupe Nettel, fez-me engolir em seco várias vezes, ainda que não seja esta a minha experiência de maternidade, e jamais o aconselharia a quem esteja grávida ou a pensar engravidar.

Laura e Alina são duas amigas com planos de vida diferente: a primeira faz uma laqueação de trompas porque não quer ter filhos, a segunda casa-se e tem de fazer um tratamento de infertilidade para engravidar. Ao 7º mês de gestação, recebe a informação que ninguém quer ouvir: o cérebro da bebé não se desenvolveu como devia, pelo que provavelmente morrerá à nascença. Assistimos, então, a dois terríveis meses até ao parto e a todo o sofrimento que se lhe segue.

Além de uma probabilidade muito maior de que a sua filha morresse em breve, Alina tinha de enfrentar outra grande ameaça: a de que vivesse muitos anos e ela fosse forçada a lidar com isso, não como quem cuida de uma criança, mas como quem cuida de um doente terminal a quem é preciso alimentar, mudar as fraldas, administrar medicamentos. Alguém que, apesar de não ter esperança de sobrevivência, nunca mais se vai embora.

Em paralelo, temos a relação que Laura estabelece com a vizinha do lado, mãe de um menino agressivo que não consegue superar a morte do pai.

“A Filha Única” é uma obra sobre vários tipos de mães em diferentes fases da vida e com dificuldades específicas: a mãe de Laura...

Essa tendência que nós, as filhas, temos para ver nos erros das nossas mães a origem dos nossos problemas, e essa tendência que têm as mães de considerar os nossos defeitos como a prova de um possível fracasso. Para evitar os conflitos, optei nos últimos anos por não revelar de modo nenhum o que penso, por ocultar as minhas filias e as minhas fobias, por me tornar o mais opaca possível para assim me esquivar aos seus comentários, mas nunca me teria ocorrido prescindir dela.

...a mãe afectiva que não pode ter filhos biológicos, a mãe deprimida que não consegue cuidar do filho e a mãe que só quando a filha entra para o infantário descobre que ela sofre de um défice cognitivo...

Penso que se chega a um ponto em que todas as mães percebem uma coisa: temos os filhos que temos, não os que imaginámos ou os que gostaríamos de ter tido, e é com eles que temos que lidar.

...e até um casal de pombas que constrói o ninho na varanda da protagonista, imagem que alguns leitores poderão achar de um simbolismo exagerado, mas que eu achei estar dentro do espírito do livro.

Quanto mais eu olhava para aquele pássaro, mais horrível me parecia. Não tinha nenhuma parecença com os pais. As penas não eram cinzentas, azuis ou brancas, mas sim escuras e ralas, especialmente no pescoço. Mas os pombos pareciam não se importar com nada disso. Cuidavam dele como se fosse um tesouro. Embalavam-no e mantinham-no aquecido, sacrificavam-se para trazer insetos para o ninho para ele comer.

Dizia a minha mãe, cheia de sabedoria popular, que parir é dor e criar é amor, mas criar é também, até ao fim, uma dor indissociável do amor, como tão bem comprova “A Filha Única”.

A Filha Única, de Guadalupe Nettel, Dom Quixote, abril de 2024, tradução de Ana Maria Pereirinha

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